Na esteira de um cenário desafiador na Argentina, a maioria da população optou por um certo risco, considerando a atual conjuntura como desfavorável. Estrategicamente, a mudança prevaleceu sobre a continuidade; taticamente, o antiperonismo se destacou; tecnicamente, um outsider vindo de fora confrontou os resultados modestos da política. Tematicamente, os péssimos índices econômicos moldaram a narrativa.
Analisando o panorama global sem se ater a detalhes minuciosos, a mudança menos política, mas direta e impactante, emergiu como protagonista. A “casta” política cedeu espaço, imersa em suas próprias disputas internas, enquanto o descontentamento pós-pandemia e a inflação desempenharam papéis decisivos.
Nesse contexto, o mérito recai sobre Milei, que soube canalizar o descontentamento. Surpreendendo nas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias, cometeu, no entanto, dois erros de campanha notáveis: a ampliação da equipe de porta-vozes, exemplificada por Lemoine, e a dispersão temática, como no caso da proposta de rompimento com o Vaticano.
O contexto favorável a Milei pode ser resumido em várias facetas: Um outsider em contraste com a política, frequentemente vista como uma má palavra; um economista em meio a crises de inflação, salários e pobreza; um liberal-libertário pós-quarentenas intermináveis; um agente disruptivo em tempos de desencanto; um líder conectado com a sociedade em uma era de crescente desconexão.
Ao conquistar o voto anti-governo, surge agora a esperança. Contudo, o desafio à frente é monumental, requerendo a obtenção de legitimidade por meio do desempenho e a construção de uma identidade coesa. Milei, hoje, é depositário de uma gama de desejos e anseios, muitos deles contraditórios. A organização da demanda e a definição de prioridades tornam-se cruciais.
Incógnitas persistem, como a dolarização em curto prazo. Cada um especula conforme seus interesses, uma dinâmica que pode funcionar a curto prazo, mas dificilmente sustentável ao longo dos anos. Gerenciar expectativas é crucial para qualquer governo. Um plano estratégico, ao oferecer organização e limites, torna-se um aliado valioso.
Entretanto, a incerteza paira sobre o futuro. Sem estrutura consolidada, aparato político, e com uma presença modesta em órgãos legislativos, a próxima fase implica atenção. Estamos diante de uma nova era. Milei, o outsider que em menos de um mandato superou todos os mecanismos conhecidos, nos convida a embaralhar as cartas e recomeçar.